O esforço de pescadores, ambientalistas e voluntários está salvando um dos maiores peixes de água doce do mundo, ameaçado pela seca prolongada, em Mato Grosso. Uma imagem que entristece os moradores da região. O Rio Araguaia está com 63 centímetros. Dois metros abaixo no nível normal. "Nos últimos dez anos, é a primeira vez que eu vejo o rio desse jeito", conta o morador Arnou Martins. É grande a busca de alimento e de água – mas nem todos os animais conseguem sobreviver.
“Hoje nós temos 2 mil a 2,5 mil cabeças de gado que nós já perdemos por causa dessa seca prolongada e isso vem acarretando um prejuízo violento para os produtores”, lamenta Ronaldo Oliveira, vice-presidente da associação de produtores rurais. Quando baixa o nível dos rios os peixes vão para os lagos que se formam com a água represada para o acasalamento. Com a seca prolongada até estas áreas estão secando, o que significa uma ameaça para algumas espécies.
É o caso do pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo. Nos pontos mais críticos, ele fica encalhado nos bancos de areia. Pescadores, ambientalistas, produtores rurais e voluntários de outras instituições estão percorrendo os lagos para resgatar o pirarucu. Uma tarefa nada fácil por causa do peso e do tamanho do peixe.
Um deles tem 1m70, pesa quase 200 quilos. O pescador perde o equilíbrio. "Muito difícil lidar com o pirarucu porque ele é liso e a arma para proteger a ele mesmo é a rabanada e a cabeçada", afirma o pescador Matias Kaufmann.
Os peixes são levados para as áreas onde ainda há água. O transporte tem que ser feito rapidamente para não comprometer a operação. "Tem que ter muito cuidado com eles. No caso a gente está envolvendo ele num cobertor, molhando para poder transportar de onde ele está pra cá. E tem que ser rápido se não corre o risco de perder o peixe", alerta Eduardo Darci, coordenador da equipe.
Pirarucu: o bacalhau brasileiro
Do ponto de vista evolutivo o pirarucu pertence a um grupo muito antigo, tendo seus parentes mais próximos aparecido nos mares primitivos no Período Cretáceo.
Trata-se de um peixe resultante de 90 milhões de anos de evolução, colocando-o entre os contemporâneos dos dinossauros. Atualmente ele se encontra restrito às águas doces das regiões tropicais do mundo.
No Brasil o pirarucu é um peixe exclusivo da Bacia Amazônica e vive nas águas calmas e lagos inundados de uma determinada região, mas pode ser encontrado também em rios de correnteza moderada. Ele gosta de águas claras, brancas ou escuras e com temperaturas variando entre 24°C a 37°C. O pirarucu é encontrado também na Austrália e na África.
Uma espécie muito especial
O pirarucu é um peixe de grande porte, aliás, é a maior espécie de água doce do mundo, atingindo de 3 a 4½ metros de comprimento e 250 quilos. Seu corpo é um cilindro compacto recoberto de escamas que chegam a ter o tamanho de pires de café. Este peixe possui dois aparelhos respiratórios: as brânquias, para a respiração aquática e a bexiga natatória. Esta última é modificada nestas espécies e funcionam como pulmão para respiração aérea, que, aliás, é obrigatória. O pirarucu tem uma arcada dentária com 90 dentes, mas pequena para seu tamanho.
Durante o período de seca, os peixes formam casais e procuram ambientes calmos e preparam seus ninhos, reproduzindo durante a enchente. Ao contrário dos humanos, cabe ao macho o papel de proteger a prole por cerca de seis meses após o nascimento. Os filhotes, durante as primeiras semanas de vida, nadam sempre em torno da cabeça do pai, que os mantém próximos à superfície, facilitando-lhes a respiração pulmonar.
O PERIGO DE EXTINÇÃO
O pirarucu é um peixe bastante resistente, mas suas características ecológicas e biológicas tornando-o extremamente vulnerável à ação dos predadores. As principais causas são os cuidados que a espécie tem com seus ninhos e suas crias, fazendo deles um alvo fácil de captura, tanto com malhadeiras, haste ou arpão.
Outro momento que o pirarucu torna-se vulnerável é quando ele sobe a superfície para respirar, que acontece a cada 20 minutos. Este intervalo fica, ainda, menor quando os machos estão cuidando dos filhotes. A captura do peixe, nesta fase, tem uma conseqüência grave: os filhotes ficam expostos aos peixes carnívoros, principalmente as piranhas..
Tem mais: o pirarucu só tem idade para procriação depois de 3 a 5 anos de vida e a captura antes das espécies juvenis, os chamados ‘bodecos’, com peso variando entre 30 e 40 quilos diminui a reprodução da espécie.
O triste fim do pirarucu
Quando o pirarucu percebe que está sendo capturado ele se mata. Para respirar o peixe precisa subir a superfície a cada 20 minutos para fazer a respiração e quando acuado ele fica submerso. Depois de 40 minutos só fazendo a respiração branquial o pirarucu morre afogado, mas eles preferem este fim de que a captura.
A respiração responsável pela vida ao pirarucu deixa rasto para os experientes pescadores. Quando o animal sobe a superfície para aspirar o oxigênio, ele volta a submergir e libera o ar, lentamente, pelas guelras deixando um caminho de bolhas. O pescador enxerga estas bolhas e antecipa o trajeto do pirarucu. Assim que o pirarucu voltar para respirar novamente o arpão do pescador atravessará seu corpo. É o fim do pirarucu.
Do pirarucu tudo se aproveita:
O pirarucu é um alimento tradicional das populações ribeirinhas da região Norte do país e grande valor. Primeiro pelo porte do animal, que quando capturado garante comida por um bom tempo. Depois de abatido, a carne do peixe é salgada e seca ao sol, formando imensas mantas (filés) e esta apresentação é que lhe dá o nome de bacalhau brasileiro. Segundo fator é o excelente sabor de sua carne, de textura suave e quase sem espinhas. Com o pirarucu preparam-se diversos pratos, mas o mais conhecido e afamado é o pirarucu de casaca.
A manta é a parte do pirarucu mais valiosa rendendo ao pescador um bom provento chegando ao triplo do valor de qualquer outro peixe. Suas escamas são usadas como lixa de unha ou na confecção de ornamentos e sua língua, que chega a 25 centímetros, com textura óssea e muito áspera é usada para ralar o guaraná em bastão. Os ovos das fêmeas também são consumidos e a pele vem sendo objeto de estudos, para a indústria de couro e vestuário.
A lenda do pirarucu
Lendas sobre o aparecimento do pirarucu são inúmeras, uma delas conta que este peixe era um índio da à tribo dos Uaiás habitante das planícies de Lábrea no sudoeste da Amazônia. Ele era um bravo guerreiro, mas tinha um coração perverso, mesmo sendo filho Pindarô, o chefe da tribo. Um homem bom e amigo de toda a tribo. O Pirarucu era vaidoso, egoísta e excessivamente orgulhoso de seu poder. Um dia, enquanto seu pai fazia uma visita amigável a tribos vizinhas, Pirarucu se aproveitou da ocasião e tomou como reféns os índios da aldeia e executou-os sem motivo.
Um dia Tupã, o deus dos deuses cansado de ser criticado por Pirarucu e de ver suas maldades decidiu puni-lo. Tupã ordenou que fosse espalhado o mais poderoso relâmpago na área inteira. Ele pediu Iururaruaçú, a deusa das torrentes, provocar a mais forte torrente de chuva sobre Pirarucu, que estava pescando com outros índios as margens do rio Tocantins, não muito longe da aldeia. O fogo de Tupã foi visto por toda a floresta. Quando Pirarucu percebeu as ondas furiosas do rio e a voz enraivecida de Tupã, ele, como de costume, as ignorou e entre risos de desdém, proferiu palavras de desprezo. Em resposta, Tupã enviou Xandoré, o demônio que odeia os homens, para atirar relâmpagos e trovões sobre Pirarucu, enchendo o ar de luz. O índio tentou escapar, mas enquanto ele corria por entre os galhos das árvores, um relâmpago fulminante enviado por Xandoré acertou o coração do guerreiro. Nem assim Pirarucu pediu perdão. Todos os índios correram para a selva terrivelmente assustados, enquanto que, ainda vivo, o corpo de Pirarucu foi levado para as profundezas do rio Tocantins e transformado em um gigante e escuro peixe. Pirarucu desapareceu nas águas e nunca mais retornou, mas por um longo tempo foi o terror da região.